Vômitos furtivos, por Camila Paier


Assola por aqui de vez em quando: nervosa, agitada, incompreendida e completamente fora de mim, deito de barriga pra baixo com pequenino computador à frente para vomitar algumas palavras. Quem denominou esse descarrilho de ideias como algo completamente nojento não fui eu não: Clarice L., numa dessas cartas trocadas com Lúcio Cardoso afirma não conseguir reler o próprio excremento após redigir na velocidade da luz; ou melhor, de uma inspiração que toma o corpo e, tipo transe mesmo, faz digitar e tirar de si a aflição momentânea. Apenas rejeito aquilo que mal faz parte de mim e, não por preguiça, mas por uma irracionalidade temerosa tremenda é que deixo de dar uma segunda lida - machuca às vezes se obrigar a voltar à ânsia e enjoar de novo daquilo que já saiu uma vez e agora é nada mais que um amontoado de ideias se aprumando pra firmar algo tão bonito que não caia no mesmismo dos rascunhos rejeitados.

Não programo o que irei digitar. Ainda não governo minhas ideias. Por mais que carregue dois bloquinhos e uma agenda dentro da bolsa, esparramados entre algumas canetas, uma necessaire, uma sombrinha, meu smartphone sempre perdido lá no fundo e contas para pagar, raramente lembro de anotar insights em táxis que me levam de volta para casa. Deixo bater forte na cabeça, desenrolar ideias e não fixo nunca em papel: sou burra em não eternizar esses momentos de iluminação mental. Porém, quando sento apenas com uma frase na cabeça, tomada de algum pensamento que persegue há dias e começo a escrever uma linha após a outra e fechar parágrafos; como dói reler e ver o quão mais bem pensada, escrita ou aproveitada poderia ser o elaborado feixe mental, se mais inteligência e humildade tivesse eu antes da afobação da admiração instantânea de publicar sem um segundo olho batido. Assim como expelir, é impraticável essa arte de revolver as gorfadas existenciais.
(...)Tem dias que ingiro cultura por todos os lados, deito para ler os diferentes tipos das literaturas mais bizarras e me enrolo no cobertor rosa clarinho pra assistir um filme atrás do outro, aquela série nova que muito foi indicada, a novela das 21h - e por que razão não? E digiro bem. Enfrento o bloco de notas em branco à minha frente com o maior desinteresse do mundo; e venço, sempre venço até que me encha de questionamentos e cozinhe títulos e forme internamente parágrafos a serem engolidos propositalmente para quando livres, me deixarem um pouco mais intacta de enlouquecer um pouquinho a cada dia. Fica um pouco a sensação de que talvez tenha mais por vir e o gosto de nada mais no plano das ideias e a desidratação de se passar pra algumas linhas assim, mas depois passa.
E enquanto muita gente tonteia junto como cúmplices do meu mal estar jorrado, acredito que mesmo me fazendo um mal horrendo aquele montareu de iluminações deve estar servindo de luz pra alguma cabecinha confusa feito a minha, antes de começar a criar teses em cima de qualquer banalidade do cotidiano.É o que me salva de querer de vez em quando remédio que cure o inferno de pensar demais e racionalizar praticamente tudo: ter quem diga, sim, minha filha, obrigada por falar por quem muitas vezes vive com aquilo entalado ali como nó na garganta e não consegue botar pra fora, por mais que enfie o dedo na goela. Por aqui, depois de muito rodar e rodar pela mente, consigo silenciar - o que já é uma pequena vitória - porém, não resisto ao branco do fundo, igualzinho ao da minha caixa de ideias logo depois desses vômitos furtivos. E começo.

E disse tudo. Porta voz de quem, assim como ela, escreve para se sentir bem e colocar para fora o turbilhão de sentimentos e pensamentos que preenchem a mente. 

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